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A defesa de direitos: Uma experiência catarinense para garantir cidadania ao idoso

Viernes, 01 de Octubre de 2004
Envejecimiento y vejez

(1-10-2004) Nuestros agradecimientos al Lic. Helio Abreu Filho por compartir este valioso artículo con los visitantes de la RLG.

Autor: Helio Abreu Filho – é advogado e sanitarista, Preside o Conselho Estadual do Idosos de Santa Catarina e coordena sua Comissão de Normas. Preside a Comissão de Assistência Social da OAB/SC.

O Conselho Estadual do Idoso – CEI/SC no final do ano de 1999, em razão de estudos de suas comissões internas (políticas públicas e normas) procedeu uma articulação com órgãos, instituições e entidades civis organizadas com intuito de desenvolver integradamente uma ação de defesa dos direitos da pessoa idosa. Isto porque, o Conselho percebeu a importância de desempenhar o seu papel de ente controlador das ações de atendimento. Como não dispusesse do poder de polícia, parcerias foram buscadas junto ao Ministério Público Estadual, Vigilância Sanitária, Corpo de Bombeiros, Prefeitura Municipal (setor responsável pela concessão do Alvará de Funcionamento) e também junto a entidades responsáveis pelo controle social, como a Ordem dos Advogados do Brasil/SC e Associação Nacional de Gerontologia.

Na discussão sobre a operacionalização da ação e a definição do população-alvo ficou estabelecido que esta primeira iniciativa do Conselho envolveria dois procedimentos. O primeiro estaria voltado para a orientação às entidades, estabelecendo, concomitantemente, um Termo de Ajuste de Conduta para que as entidades fiscalizadas cumprissem as orientações fornecidas em determinado prazo. Na definição da população-alvo, o Conselho conclui que as primeiras entidades que deveriam ser vistoriadas deveriam ser os asilos.

Na ótica do Conselho Estadual, a ação das políticas públicas devem estar respaldadas por um Plano de Garantias de Direitos da pessoa idosa, ainda inexistente na experiência recente do país 2, e esta atuação conjunta despertaria as organizações governamentais e não governamentais para a proposta da Política Nacional do Idoso que prevê em suas diretrizes a 'a participação do idoso, através de suas organizações representativas, na formulação, implementação e avaliação das políticas, planos, programas e projetos a serem desenvolvidos'.

A fundamentação teórica para esta iniciativa encontra-se inserida na própria legislação federal, que abraça um Sistema de Garantia de Direitos, a qual se faz presente notadamente nas políticas voltadas a segmentos sociais, como é o caso, da legislação pertinente aos direitos da criança e do adolescente e, do idoso.

Sinteticamente, podemos dizer que o Sistema de Garantia dos Direitos está encimado em três eixos a saber: promoção; controle social; e defesa.

O primeiro, da promoção, está presente o ato de diligenciar para que o direito se verifique. E este eixo está suficientemente claro no artigo 10 da Lei Federal n. 8.842, de 04 de janeiro de 1994 (política nacional do idoso), que estabelece competências de atuação aos órgãos e entidades públicos, na área de promoção e assistência social; saúde; educação; trabalho e previdência; habitação e urbanismo; justiça; cultural, esporte e lazer. Nesta promoção, que envolve o 'fazer', a política nacional prevê parcerias com as organizações não governamentais. Estas parcerias podem ser operacionalizadas, por exemplo, na área da saúde, para treinamento dos profissionais de saúde (art.9º , Decreto n. 1.948/96).

O segundo eixo, o controle social, tem por finalizada a vigilância para que o direito se verifique. Este eixo está previsto na política nacional do idoso como sendo aquele exercido pelo próprio idoso e por suas organizações (art.4, inciso II). Nesse sentido a lei corrobora estabelecendo uma determinação para que se instale um sistema de informações que permita a divulgação da política, dos serviços oferecidos, dos planos, programas e projetos em cada nível de governo. Neste controle social a lei prevê, por exemplo, a figura do cidadão comum,  qualquer do povo, que poderá exercer sua cidadania denunciando à autoridade competente qualquer forma de negligência ou desrespeito ao idoso (art.10, parágrafo 3º ) e a participação do idoso nas diversas instâncias de controle social do SUS (art.9º , inciso VI, Decreto 1.948/96).

Finalmente, a defesa, diz respeito à responsabilização da família (pessoa), sociedade (organizações) ou Estado, pela ameaça ou violação de direitos da pessoa idosa. Nesse sentido a lei e o decreto regulamentador (Decreto n. 1.948/96) identificam órgãos e instituições com esta atribuição, a qual, aliás, pode ser também exercida por entidades não governamentais que tenham por finalidade estatutária a 'defesa de direitos', podendo demandar em juízo. Quanto ao Poder Público, temos basicamente duas áreas como responsáveis pela atitude de deflagrar a responsabilização. A  área da Justiça, com sua competência de promover e defender os direitos da pessoa idosa, zelando pela correta aplicação das normas sobre o idoso (art.10, VI, Lei Federal n. 8.842/94) e que deve encaminhar denúncias ao órgão competente do Poder Executivo (por exemplo, Vigilância Sanitária, Polícia Civil) ou do Ministério Público (art. 13, inciso I, Decreto n. 1.948/96); e a área da Saúde, com o exercício da fiscalização pelos gestores do SUS (art.10, II, 'c', Lei n. 8.842/94).

Mas a questão do 'controle social' deve merecer uma atenção destacada porquanto, percebe-se, ainda não foi introjetada como prática comum na vida cotidiana das instituições e das organizações governamentais e não governamentais.  Esta questão do 'controle social', para os tratadistas da matéria, representa um passo fundamental para desenvolvimento planejado do Estado, voltado aos interesses superiores de sua população. Nesse sentido, MARTINS3 aponta que o aspecto fundamental da vida do Estado e da sociedade está no fluxo permanente e sistemático de operações de controle. Se esta necessidade não é atendida torna-se baixo o grau de 'governabilidade' , instala-se o descontrole. A razão de ser do 'controle' apresenta-se assim, como uma garantia de concretização de expectativas (estabelecidas no passado) com respeito a acontecimentos futuros.

As definições de controle são as mais diversas e de acordo com MARTINS uma das mais claras é a de FAYOL. No entanto o posicionamento de MOCHLER, citado pelo autor, parece melhor atender as expectativas deste trabalho porquanto explicita o 'processo de controle' como sendo "uma série de atividades, como (...), identificar e medir os desvios ocorridos, tomar as medidas corretivas". A 'tomada de medidas corretivas' faz parte do processo de controle pois não havendo sanção, quando cabível, as pessoas não se vêem obrigadas a arcar com as conseqüências de seus atos, tendendo a se tornar irresponsáveis. As organizações governamentais e não governamentais devem percebê-las como uma 'garantia' da própria governabilidade e de manutenção do Estado Democrático participativo que vivenciamos. Alertam os tratadistas que a sobrecarga de controles não é boa, como também não o é o exagero e, assim, é preciso encontrar o ponto de equilíbrio. E nesse sentido, conforme MARTINS, o equilíbrio pressupõe que o processo de controle seja circular.

A noção de circularidade, segundo o autor, pode ser utilizada como critério para a classificação das principais relações de controle existentes na vida social.

A partir da dicotomia Estado-sociedade o autor imagina quatro grandes categorias: (a) controles exercidos pela sociedade (sobre si e sobre o Estado) e pelo Estado (sobre a sociedade e sobre si).

A primeira categoria diz respeito a capacidade da sociedade controlar satisfatoriamente o comportamento de seus membros. A segunda, controle da sociedade sobre o Estado, está presente nas instituições criadas para estabelecer limites ao poder do Estado e colocar à disposição do povo instrumentos adequados ao controle do poder político. A terceira, controle do Estado sobre a sociedade, tem a ver com o fato da sociedade ser a sede de diferentes formas de desigualdade, de opressão e de exploração, o terreno em que, segundo o autor, os apetites individuais e de grupos, ao se expressarem livremente, transformam o homem no lobo do homem. Finalmente, o controle do Estado sobre si mesmo, decorre do descontrole dentro do Estado. Isto tem a ver com a incapacidade das autoridades de nível superior supervisionarem os órgãos e funcionários que lhes são hierarquicamente subordinados.

Interessa-nos aqui a segunda categoria. As instituições criadas com objetivo de estabelecer limites ao poder do Estado e colocar à disposição do povo instrumentos adequados ao controle do poder político compreendem órgãos do Poder Judiciário e do Poder Legislativo (Senado, Câmara Federal, Assembléias Estaduais, Câmara de Vereadores, Tribunal de Contas); instituições e instrumentos que compõe o sistema eleitoral – referendo popular, Imprensa (livre), partidos políticos, ouvidor (ombusdman) e, também, no nosso entender, as Universidades e empresariado nacional e, os atuais Conselhos com participação popular.

Aduz o autor que, em seu conjunto ou em separado, estas instituições parecem não ser capazes de dar conta do recado. Os casos de abuso de poder se reproduzem com freqüência aterradora, sem que a sociedade esboce reações aptas a coibir os atentados. Aqui estão presentes a impunidade que acoberta os malfeitos praticados pelos agentes do Poder Público e a ineficiência dos mecanismos de controle da sociedade sobre o Estado.

Felizmente em Santa Catarina a experiência desenvolvida pelo Conselho Estadual do Idoso caminha em direção oposta. Por intermédio de uma ação participativa dos órgãos e instituições responsáveis pelo ' controle social'  e  daqueles a quem compete 'responsabilizar' as organizações de atendimento pelo cumprimento dos direitos sociais da pessoa idosa por parte,  se obteve um resultado exitoso na fiscalização de entidades asilares.

A partir deste evento o Conselho Estadual do Idoso de Santa Catarina abre espaço para o desenvolvimento de um planejamento que pretende, a curto prazo, constituir o Plano de Garantia de Direitos, o qual esteja voltado a projetos/atividades (programas) específicos, que visem a garantia dos direitos que se encontrem ameaçados ou violados pela família, sociedade ou Estado.

Uma melhor compreensão do universo de preocupações do CEI/SC, no exercício da sua função fiscalizadora junto a asilos existentes no Estado, poderá ser obtida com a avaliação do termo de vistoria empregado, pelo Ministério Público Estadual, que se utiliza de indicativos existentes na legislação federal e estadual, referentes a segurança, salubridade e higiene, bem como, se baseia em princípios doutrinários adotados pelo Código Civil Brasileiro e Código Penal.

Diga-se, finalmente, que esta atividade não logrará o êxito esperado, se o Conselho não manter esta inestimável parceria com o Ministério Público e o respaldo da Secretaria do Desenvolvimento Social e da Família – comando único da assistência social no Estado. Esta última no sentido de auxiliar os asilos no encaminhamento de suas postulações, notadamente as que dizem respeito a dispêndio de recursos financeiros para reformas de área física.

Após as vistorias e de posse dos resultados, o Conselho volta-se para a definição de algumas diretrizes para a política estadual, obedecendo o  Sistema de Garantia dos Direitos.

NOTAS:

2 A experiência recente que se quer referenciar é o exercício da democracia participativa, com atuação presente dos instrumentos criados pela Constituição Federal e pelas leis ordinárias, como é o caso dos Conselhos de Direitos.

3 MARTINS, Carlos Estevam. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro: 23(1)5-20. 1º trim.jan.1989.